REdescobertas: a reinvenção de Arthur Verocai por meio do Hip-Hop
A música tem o poder de atravessar fronteiras e tempos, redescobrindo artistas que, embora inicialmente subestimados, emergem como ícones culturais décadas depois. Arthur Verocai é um desses raros e brilhantes exemplos. Maestro, compositor e arranjador, ele revolucionou a música brasileira com sua fusão inovadora de estilos nos anos 70. Hoje, seus arranjos são redescobertos por uma nova geração de músicos e fãs, graças à sua influência no hip-hop norte-americano.
Nascido em julho de 1945 no Rio de Janeiro, Verocai cresceu cercado por música. Seu talento precoce aflorou ainda na adolescência, quando, ao observar as lições de violão que sua irmã recebia de Carlos Lyra, ele mesmo decidiu aprender o instrumento. A paixão foi se desenvolvendo, e em 1962, Verocai teve a oportunidade de estudar com o renomado Roberto Menescal, uma figura central da Bossa Nova. Seu primeiro grande marco aconteceu por volta de 1965, quando sua composição “Olhando o Mar” foi gravada por Leny Andrade no álbum Estamos Aí. A música, uma parceria com Ronaldo Soares, foi o início de uma carreira marcada por colaborações excepcionais e inovação.
O talento de Verocai logo se espalhou, levando-o a colaborar com grandes nomes da música brasileira. Nos festivais de música da época, suas composições eram defendidas por artistas como Elis Regina, e seu talento para arranjos o destacou, abrindo portas para novos projetos. Entre os destaques de sua carreira está o trabalho no icônico álbum Negro é Lindo de Jorge Ben Jor, lançado em 1971. A combinação dos ritmos afro-brasileiros de Jorge Ben com os arranjos únicos de Verocai resultou em um dos álbuns mais influentes da música brasileira.
Porém, o verdadeiro testamento à visão de Arthur Verocai veio com seu álbum solo homônimo, lançado em 1972. Com uma mistura arrojada de bossa nova, jazz, orquestração e influências do Clube da Esquina, o disco foi um experimento ousado, à frente de seu tempo. Infelizmente, a recepção inicial foi morna, e o álbum foi considerado um fracasso comercial. Naquele momento, o Brasil ainda não estava pronto para absorver o que Verocai havia criado.
Após esse período de silêncio, sua obra começou a ser redescoberta, principalmente fora do Brasil. Na década de 90, DJs e produtores norte-americanos passaram a incluir seus arranjos em suas criações. O ponto de virada foi em 2002, quando Andrew Jervis, do selo Ubiquity Records, demonstrou interesse em relançar o disco nos Estados Unidos. Esse renascimento culminou em 2005, quando sua música foi sampleada pelo grupo Little Brother na faixa We Got Now. O hip-hop, com sua tradição de samplear e reinventar, deu nova vida ao trabalho de Verocai, que, desde então, teve suas composições reutilizadas em mais de 69 faixas de artistas como MF Doom e Ludacris.
Eu nunca fiz hip hop, mas fiquei famoso por causa dele. As pessoas viraram fãs do meu disco. É louco!”, disse Verocai em uma entrevista, maravilhado com a nova vida que sua obra ganhou.
Seu álbum, antes esquecido, agora é um item de colecionador, vendido por até 10 mil reais. A música de Verocai, uma vez incompreendida, encontrou seu lugar nas batidas do hip-hop global, sendo um testemunho de sua genialidade atemporal. Seu legado, hoje, é celebrado por uma nova geração de artistas que, ao samplear seus arranjos, continuam a expandir os horizontes da música.
Arthur Verocai é, sem dúvida, uma história de REdescoberta. De um compositor subestimado a uma lenda da música brasileira, sua trajetória personifica a essência do brasileiro: uma jornada de autenticidade, reinvenção e resistência. Seu legado musical, ao ser constantemente redescoberto e reinventado, mostra que, mesmo quando a arte parece estar à frente de seu tempo, ela sempre encontrará um público que a compreenda e celebre.
REdescobertas é pensado por Carolina Malcher em parceria com a ¥AS 31
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Parabéns pelo ótimo texto.
Descobri o trabalho do Maestro Verocai através de samples e interpolações musicais feitas por outros artistas nacionais e internacionais.